Como lidar emocionalmente com o contraste socioeconômico durante uma viagem de férias?

por Felipe Savietto – @terapiapraviagem

Para mim existe um fator complicador quando viajo para países que apresentam uma realidade de vulnerabilidade social. Sou confrontado com uma série de emoções que costumam ser difíceis de lidar.

Observe a sequência que se passa na minha cabeça:

Começa pela tristeza, ao ver a pobreza escancarada; ainda que ela esteja tão presente na realidade brasileira. Nesse ponto eu adentro numa espiral de reflexão e começo a questionar o modelo capitalista, o colonialismo, etc.

Da tristeza eu sigo para a indignação, me sentindo praticamente a Tina, de @a.vida.de.tina (vale a pena conferir).

Mas então eu paro… e me recordo que estou de férias, que estou precisando descansar, que também preciso me cuidar, etc. Vem uma certa calmaria. Até que eu começo a contrastar os meus problemas com os das pessoas que eu vejo ali. Em seguida começo a pensar sobre como eu reclamo de “barriga cheia”, invalidando todas as minhas questões, que parecem pequenas nesse contraste.

Chega a hora que começo a sentir um pouco de raiva de mim por ter a “cara de pau” de ir explorar o local. Então penso que, pelo menos, estou ajudando o turismo e que, se ninguém estivesse turistando, as pessoas estariam piores. Depois percebo que, no fim das contas, o dinheiro sempre vai para grandes empresários, que estão explorando aquelas pessoas e que minhas reflexões são apenas para aliviar minha consciência.

Quanto mais de perto vemos, mais responsáveis nos tornamos. Assim nossas bolhas são quebradas.

Aí, em algum momento da viagem, começam a aparecer mais gente pedindo, ou, na melhor das hipóteses, insistindo para que eu compre alguma coisa. Passo a me sentir agredido e obrigado a fazer algo que eu não quero; e, muitas vezes, não posso.

Sinto raiva dessas pessoas insistentes. Elas “estragam” a viagem, quebrando a idealização do Paraíso. Elas destravam certos impulsos higienistas, que eu não queria ver. Depois sinto raiva de mim por sentir raiva delas; e por toda contradição e julgamento que eu ainda manifesto.

E começo tudo de novo a refletir sobre como o mundo não tem jeito, sobre como eu provavelmente, naquela situação, seria igual ou pior, sobre como a humanidade nunca muda, etc.

No fim das contas, é inevitável descobrir que o mundo é desigual e que nós, de alguma forma, somos tanto vítimas como mantenedores dessas injustiças, cada um com sua respectiva dose, de acordo com seu nível de privilégio.

Pelo simples fato de você poder viajar para um local com vulnerabilidade social, automaticamente você adentra no espectro do privilegiado, ainda que a viagem tenha exigido muito sacrifício, como é o caso da maioria dos que viajam.

A sensibilidade não nos torna seres humanos melhores, só nos torna humanos. E ponto.

Quero refletir um pouco sobre estratégias de enfrentamento para que, se você escolher visitar esses lugares, possa encontrar alternativas para além de ser arrastado por emoções desagradáveis ou cair na indiferença.

O primeiro ponto é reconhecer que o desconforto te traz para a humanidade. Ele será, possivelmente, uma consequência inevitável da sua escolha de ver outra realidade “in loco”. Quanto mais de perto vemos, mais responsáveis nos tornamos. Assim nossas bolhas são quebradas.

Se fossemos completamente indiferentes, possivelmente teríamos alguma patologia, ou, ao meu ver, um sério comprometimento de caráter. Por outro lado, a sensibilidade não nos torna, de forma alguma, seres humanos melhores. Só nos torna humanos e ponto. Ou seja, não tem nobreza em usar o seu sofrimento diante do sofrimento de alguém como forma de vanglória. Assim como também não tem nobreza na ajuda financeira que oferecemos a essas pessoas. É uma atitude possível, claro. Mas ela não te configura como um ser humano evoluído. Só revela a tua autonomia de poder oferecer recursos.

Uma postura interessante a se tomar nas viagens é a de ter mais interesse em aprender com as pessoas do que em oferecer algo.

Bom, uma vez que você está numa viagem à passeio, de que adianta sofrer se esse sofrimento não vai se tornar útil para alguém? De que adianta você estar num local lindo e não curtir por culpa, ou vergonha? Você já escolheu estar ali. De que adianta negar o seu privilegio e se tornar outra pessoa sofrendo?

Aquelas pessoas em vulnerabilidade social continuarão do mesmo jeito, e você apenas irá retornar para sua casa, seguindo os mesmos hábitos, e sem ter tido a oportunidade de descansar ou se divertir na viagem.

Se pergunte sobre em qual ocasião você quer colocar os seus privilégios, as suas habilidades e os seus recursos a serviço de trazer mais equidade no mundo. O melhor a ser feito é você simplesmente se liberar para curtir as férias, apesar de toda a vulnerabilidade. Mas que, posteriormente, você encontre um tempo no qual exista disponibilidade emocional para se dedicar ao serviço, seja numa outra viagem, com propósitos diferentes, ou de forma diluída no seu cotidiano.

A habilidade fundamental necessária aqui é a de conseguir transitar entre as emoções. Você permite que elas te atinjam, faz as reflexões cabíveis, mas depois libera elas para partirem e vive a próxima emoção que emerge, sem apego a anterior. Especialmente se você está num momento alegre com seus familiares, por exemplo numa praia paradisíaca. A saída está em entrar em contato com a tristeza que você sentiu durante o caminho até uma praia, por exemplo, e depois entrar em contato com a alegria de estar na praia. Tem contradição aí? Claro que tem. Bem-vindo ao clube dos humanos!

Uma outra postura interessante a se tomar nas viagens é a de ter mais interesse em aprender com as pessoas do que em oferecer algo. Se for possível, treine um encontro no qual se desfaça momentaneamente as desigualdades. No qual vocês sejam apenas duas pessoas falando sobre a vida, a família, as dores, as visões de mundo, sem hierarquia alguma. Descubra também que, para além dos recursos materiais, somos todos interdependentes do que as pessoas podem nos oferecer com sua visão de mundo. Tenha sempre um olhar empoderador sobre o outro, como quem quer descobrir as potencialidades que permitem a existência, para além das vulnerabilidades. Desfaça o olhar de dó. Nesse sentido, se interesse pelas pessoas que você encontrar nessa viagem. Escute-as!

Dessa forma, toda a espiral emocional e as reflexões que você fez nesse local não serão em vão. Você se libera para curtir, viver, chorar, rir, crescer, se alegrar, enraivecer; ou seja, todas as emoções encontram espaço, fluidez e vazão, de acordo com que sua “musculatura” dá conta.